Guilherme Jaccoud*
Há décadas uma referência mundial em programas de vacinação em massa, o Brasil voltou a comprovar a sua grande capacidade neste setor com a campanha de imunização contra a Covid-19 empreendida este ano. Em novembro, o país alcançou a marca de mais de 126 milhões de pessoas totalmente imunizadas (com as duas doses ou com vacinas de dose única) contra o coronavírus, o que corresponde a 59% da população.
Se considerarmos apenas a primeira dose, o número de vacinados é de 157 milhões (74% da população). No total, o número de doses aplicadas até aqui no país foi de 283 milhões, o que nos coloca entre as quatro nações que mais vacinaram no mundo, em números absolutos, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos.
Como sabemos, o combate à pandemia impôs (e continuará a impor) grandes desafios ao setor de saúde brasileiro. Cabe salientar que o Sistema de Saúde Suplementar teve um papel destacado na luta contra a pandemia, disponibilizando um grande número de leitos para tratamento de pessoas acometidas pela doença.
Ao mesmo tempo em que o Sistema Único de Saúde (SUS) cumpria com louvor a sua missão, assumindo o atendimento na rede pública, e notadamente na execução do plano nacional de imunização em massa, a rede particular, capilarizada e oferecendo serviços de reconhecida qualidade, recebeu e tratou milhões de brasileiros, suportando a forte demanda e dando a resposta que a sociedade dela esperava.
Nunca é demais lembrar que dos 45,8 mil leitos de UTIs existentes no país, mais da metade (23 mil), de acordo com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), está na rede particular, que atende a 48 milhões de pessoas.
A par desses dados, é importante também que façamos a lição dos impactos que a pandemia trouxe para o Sistema de Saúde Suplementar, sobretudo no que diz respeito a aspectos gerenciais, tendo em vista a adoção de novos programas e políticas que possam significar a sua manutenção, de forma sustentável, com o prosseguimento de um atendimento de excelência ao público.
Aqueles que acompanham os números do setor de saúde privado estão cientes de que a queda na utilização dos planos para cirurgias e procedimentos eletivos, por força da pandemia, propiciou um aumento relativo do lucro das operadoras em 2020. Este ano, ao contrário, com a retomada de procedimentos que estavam suspensos e, também, devido ao aumento de tratamentos relacionados às sequelas da própria Covid-19, muitas operadoras chegaram a ter prejuízo nos dois primeiros trimestres (algumas com queda de 92% no lucro).
Diante deste quadro é razoável esperar que essas empresas desenvolvam estratégias visando à retomada sustentável das receitas e, consequentemente, dos seus lucros. Entre os caminhos que poderão leva-las a esses objetivos estão, por óbvio, a introdução de “produtos” (serviços) mais acessíveis e a renegociação com seus “clientes” (segurados) e também com aqueles que estão diretamente na ponta do sistema – no caso, nós, hospitais, clínicas e demais prestadores de serviços.
Todo esse movimento organizacional, dentro de parâmetros financeiros, é legítimo e deve ser entendido, em última análise, como uma providência para a sobrevivência de todo o Sistema de Saúde Suplementar, desde que – e aí está o dado da maior importância –, não signifique, em primeiro lugar, a inviabilidade econômica dos outros elos da cadeia e, tampouco, perda de qualidade no atendimento ou dos direitos essenciais dos beneficiários dos planos – esses, a verdadeira razão de ser do setor.
Portanto, para que a retomada do crescimento do Sistema Suplementar seja planejada de forma sustentável, promovendo o equilíbrio entre todos os seus elos e atores, e com o inarredável respeito aos beneficiários, toda e qualquer nova regra a ser estabelecida, dentro desses objetivos, deve ser precedida de amplo e transparente debate entre as partes, contando com a efetiva participação da sociedade. Neste sentido, confiamos no trabalho a ser desenvolvido pela autoridade regulatória, no caso a Anvisa, e pelas autoridades de saúde, em especial o Conselho Nacional de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde.
O Sistema de Saúde Suplementar é de fundamental importância para o país, como ficou comprovado durante a pandemia. Entre junho do ano passado a junho deste ano, a despeito da crise que a economia enfrenta, “ganhou” mais de 1,5 milhão de segurados. A partir de agora, o seu fortalecimento pressupõe a adoção de medidas alicerçadas em parâmetros técnicos, além de diálogo franco entre as partes e transparência. Estejamos todos juntos nessa importante tarefa. Afinal, se um dos elos ficar enfraquecido, todo o Sistema entra em colapso, com prejuízo direto para a sociedade.
*Médico é presidente do Sindhrio e da Feherj.